Minha primeira eleição

Em 2004, me elegi pela primeira vez vereador em Niterói. Nunca quis ser candidato a vereador. Gostava de política e de ministrar aulas de História nos colégios Argumento, São Marcos (o dono era o conhecido jornalista desportivo Teixeira Heizer), no Acadêmico, na Escola Nossa e nas Universidades Salgado de Oliveira e Cândido Mendes. Já havia feito mestrado em Memória Social, na UNIRIO, depois de uma breve passagem pela Universidade de São Paulo, numa louca aventura de cursar mestrado em Literatura Espanhola e equilibrar vários empregos no Rio e em Niterói. Lecionava de segunda a sábado e ainda acumulava a subsecretaria de cultura de Niterói, no governo do Prefeito Godofredo Pinto, ex-deputado estadual e vice-prefeito, que assumira o governo em 2002, depois que o prefeito Jorge Roberto Silveira se candidatou a governador.

O ex-vereador Marcos Gomes estava à frente da Secretaria de Cultura. Gomes era um nome natural para a vereança da cidade. As políticas públicas de cultura do governo, condensadas no lema “Cultura para todos”, eram reconhecidas pela população e um nome da área era tido como pule de dez na lista dos eleitos.

Só que o destino nos prega peças.

Marcos adoeceu e retirou seu nome da disputa. O peso, naturalmente, caiu sobre os meus ombros.

O problema de você se candidatar é que pode se eleger. Pense sempre nisso, cara(o) leitora(o), quando for mordida(o) pela mosca azul.

Eu me elegi. Minha vida mudou radicalmente para o campo da política. Aos poucos, fui deixando de ser professor para ser o vereador André Diniz.

A eleição findou em outubro de 2004. Só assumiria no exercício de 2005. Nos meses finais do ano, que antecedem a posse, é comum ocorrerem articulações políticas para a eleição da Presidência da Câmara do ano seguinte. Eu era uma surpresa no pleito. Era a novidade da cultura no cenário político.

O zum-zum-zum na cidade era grande sobre a minha eleição. Por ser uma pessoa que trabalhava também no Rio e rodava pelos circuitos do samba carioca com desenvoltura, alguns tentaram me difamar soltando as fake news da época, pelo boca a boca, de que eu não morava em Niterói. Logo eu, niteroiense da gema. Figura do Caramujo e do Centro. Era só o início das naturais desavenças de um mandato.

O vereador Zé Vicente era candidato à reeleição como Presidente da Casa. Ele resolveu marcar um almoço comigo para pedir meu voto. Encontramos na antiga churrascaria Porcão, atual Mocellin, no bairro de São Francisco. Era minha primeira conversa como vereador eleito. Zé, como passei a chamá-lo, era um político tradicional, daqueles de muitos mandatos e com reduto eleitoral no bairro da Engenhoca, um pedaço do bairro do Fonseca.

Quando ele chegou, eu já estava. Andava curioso e agitado pela conversa. A política tem seus ritos e códigos e eu precisava me acostumar a eles. Zé chegou, se sentou e pediu seu tradicional whisky. Começou a falar da política de Niterói, de como a cidade tinha uma câmara tranquila para lidar com as questões do governo e trabalhava unida para encaminhar as demandas do executivo e melhorar a vida do povo. Seu perfil era conciliador e necessitava sempre ser governista para alimentar sua base eleitoral. Hay gobierno, soy a favor, era seu lema. Lá pelas tantas, já estávamos descontraídos e passei a contar um pouco sobre minha história de vida. Ele se espantou com minha trajetória. Acreditava, percebi em seu rosto, nos boatos da cidade de que eu era filho do Rio.

– Sou nada, Zé. Nasci no Caramujo e depois morei durante anos no centro da cidade. Lembro de você e dos vereadores Magaldi e Wolney Trindade, no início da minha militância política.

– Então você é do Caramujo? Eu sempre ia ao Caramujo com minha esposa. Sabe, lá tem um centro (à época usavam a palavra “centro” como eufemismo de terreiro de macumba ou de candomblé) que frequento muito. Minha esposa não vai ao médico, só se consulta com Dona Dalva. Ela reza minha mulher e ela fica boazinha.

– Zé, Dalva é madrinha da minha mãe. Ela ajudou a criá-la porque vovó era muito pobre. Passei minha infância lá.

Ele ficou sério e com os olhos marejados.

– Você era aquele garoto gordinho que brincava por lá? Meu Deus! A vida é uma eterna surpresa…

A emoção tomou conta da conversa.

– Dalva era uma pessoa muito boa para a minha família. Sempre a ajudava nos dias de São Jorge e de Cosme e Damião. Comprava doces e brinquedos para as crianças. No dia dos santos, fazia fila no morro em frente a sua casa.

– Eu mesmo, Zé, ajudei a distribuir muitos brinquedos e doces. É verdade que os doces eu provava sempre para testar sua validade…

– Rapaz, uma vez passei um aperto com Dalva, mas não posso reclamar, a galega sempre resolvia minhas coisas. Um dia levei minha esposa no centro. Ela tava com dor no peito. Dalva a rezou e aos poucos a dor foi melhorando. Aproveitei a viagem para pedir uma ajuda na minha eleição. Era o mês de setembro, perto do pleito mais concorrido que já havia participado. Ela me chamou em um cantinho, começou a me benzer com um ramo de arruda e pediu que colocasse meu “santinho” com o número em cima da bancada, perto dos santos. Quando o coloquei, vi que tinha outro “santinho” de candidato. Era do vereador Magaldi, meu concorrente direto a uma vaga na Câmara. Fiquei pálido. Até no centro eu tinha que disputar? Olhei para Dalva e ela, muito calma, disse: “meu filho, não liga pra isso. Esse ano vão entrar vocês dois. Fica tranquilo. Leva sua esposa para descansar”. Quando acabou a apuração, eu e Magaldi estávamos eleitos. Grande Dalva! Era uma sábia.

A essa altura do campeonato a temperatura etílica da conversa entrou em “outro patamar”. Votei nele para Presidência da Câmara e passei a compreender que na política, o aperto de mão, firmando compromisso, vale muito.

O mundo real minimiza nossas certezas ideológicas.

Para André Luiz Trouche, Zé Vicente, Dalva, Fernando e Malgaldi (in memoriam), Godofredo Pinto, Filinto Branco, Chico D´angelo e Marcos Gomes.

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