O golpe civil-militar de 64
“Que rei sou eu?”
O jeito de governar de Jânio Quadros entrou no folclore da politica brasileira. Ele ocupava-se de problemas de menor importância. Trocava o diálogo por bilhetinhos. Vetou, por exemplo, o consumo de lança-perfume no carnaval, as brigas de galo, as corridas de cavalo durante a semana. O homem proibiu até o uso de biquínis. Pobre da Ana Maria, que não poderia mais desfilar com seu “Biquíni de bolinha amarelinha”:
Era um biquíni de bolinha amarelinha
tão pequenininho,
Mal cabia na Ana Maria.
Biquíni de bolinha amarelinha
tão pequenininho
Que na palma da mão se escondia.
A União Democrática Nacional (UDN) resolveu romper com o governo. Carlos Lacerda começou a dizer que o presidente queria dar um golpe para ter poderes absolutos. Apesar de ser craque em criar factoides, dessa vez parecia que ele tinha razão. No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros deixou um bilhete de renúncia para o povo brasileiro. Não ocorreu nenhuma mobilização popular a seu favor. O Congresso Nacional tratou a renúncia como fato consumado, dando encaminhamento à sucessão. Como disse o respeitado jurista Afonso Arinos, “Jânio na Presidência era a UDN de porre”.
A saída do presidente causou um “probleminha”. Camadas conservadoras da sociedade não podiam nem pensar na possibilidade de João Goulart assumir a Presidência. Ele estava na China, fazendo contatos diplomáticos, e muitos queriam proibi-lo de voltar ao Brasil. De novo a Constituição era clara: em caso de renúncia, assumia o vice.
Assim, o governador petebista do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, começou a trabalhar. Formou a Cadeia da Legalidade e, usando uma emissora de rádio, convocou os trabalhadores para defender a posse de João Goulart e evitar o golpe. No começo da transmissão, ouvia-se o hino da Legalidade, de Paulo César Pereio, Lara de Lemos e Demóstenes Gonzalez:
Protesta contra o tirano,
Recusa a traiçao,
Que um povo só é bem grande
Se for livre sua nação.
A nação estava dividida quanto à posse de Jango. Em setembro de 1961 foi aprovada na Câmara Federal uma solução intermediária, o sistema parlamentarista. Jango pôde voltar, aliviado, mas seu governo iria lidar com agitações políticas e a crescente organização da sociedade civil.
No período parlamentarista, a composição “Que rei sou eu?” (Herivelto Martins e Waldemar Ressurreição) fazia graça com o escasso poder de Jango:
Que rei sou eu
Sem reinado e sem coroa,
Sem castelo e sem rainha?
Afinal que rei sou eu?
A agitação social e as dificuldades econômicas aceleraram o plebiscito sobre o sistema de governo. Em janeiro de 1963, o povo foi às urnas e votou a favor do presidencialismo. De caneta na mão, era chegada a hora de Jango começar a colocar em prática as reformas de base (investimentos em educação, reforma agrária, urbana e eleitoral).
Para a oposição, Jango foi longe demais. Agindo depressa, ela organizou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, levando milhares de senhoras católicas, autoridades, políticos, empresários e membros da classe média à avenida Paulista. O objetivo era defender o país contra os “comunistas” e pedir a queda de Jango. Na rua, cantava-se a palavra de ordem: “Um, dois, três, Brizola no xadrez. E se tiver lugar, põe também o João Goulart.” Alguma semelhança com os dias hoje? O autoritarismo e o golpismo tem lastro em nossa sociedade.
No dia 31 de março de 1964, eclodiu a rebelião das Forças Armadas contra o governo. Jango não conseguiu reagir ao deslocamento dos tanques, pegou suas malas no Palácio do Planalto e saiu de Brasília rumo ao exílio no Uruguai. Os militares logo tomaram conta da situação. Sindicatos foram fechados e vigiados, jornais foram proibidos de circular, as universidades ficaram vazias. Rádios que defendiam a legalidade e a manutenção do estado democrático, como a Mayrink Veiga, no Rio, foram emudecidas. O cala-boca nas emissoras punha um fim simbólico a um ciclo em que o rádio assumiu o papel de protagonista nos debates políticos e no entretenimento da sociedade.
Agora, nos tempos da ditadura, a televisão seria o veículo de comunicação de massa. Com os festivais da canção, a música ocuparia o canal de mobilização e o espaço de conflito entre projetos políticos, ideológicos e estéticos. A era dos festivais lançaria uma nova geração de artistas talentosíssimos e problematizadores do papel da arte na vida pública brasileira.